Atravessando a Union Station, em Washington, na semana passada, fiz minha reverência habitual à estátua de A. Phillip Randolph (1889-1979). Alguém pode não reparar nela se não a estiver procurando, e deixaram que o monumento fosse depredado (os óculos esculpidos na mão dele foram arrancados há alguns anos). Randolph montou um poderoso sindicato de ferroviários negros e propôs a primeira Marcha sobre Washington quando Franklin Roosevelt (1881-1945) era presidente.
Seu papel no movimento pelos direitos civis foi seminal e dinâmico. No entanto, não se ouve mais o nome dele nem é ensinado nas escolas. Nem o nome de Bayard Rustin (1912-1987), um carismático intelectual negro e pioneiro dos direitos dos gays, que organizou a Marcha sobre Washington em 1963. Ao lado de muitos outros heróis democráticos seculares, Randolph e Rustin foram apagados da história. O jeito mais fácil de conseguir aceitação instantânea como “líder” negro hoje em dia é jogar a palavra “reverendo” na frente do nome.
Ou, se você for realmente ganancioso, a palavra “bispo”. O bispo Eddie Long, da Igreja Batista Missionária Novo Nascimento, no Estado da Geórgia, prega que Bayard Rustin foi um pecador desprezível que sofria da “doença” curável da homossexualidade. Tenho uma regra básica que nunca falha para esse tipo de clérigo. Acerte o relógio e sente-se: logo, logo eles vão ser apanhados esparramando-se voluptuosamente no banheiro dos homens. Pode ser cedo para colocar Eddie Long nesse grupo, mas duvido que eu tenha de recuar.
Eis, afinal de contas, o que o amigo de Long, reverendo Timothy McDonald III, da Primeira Igreja Batista Iconium, tem a dizer: “Esta é a questão: como pode alguém ser contra a homossexualidade e estar supostamente praticando-a? É o máximo da hipocrisia”. Cinismo e ingenuidade parecem conviver pacificamente nessa declaração. O reverendo McDonald não parece acreditar muito nas negações bem pouco convincentes proferidas por Long, acusado de ter coagido quatro jovens a fazer sexo com ele. Um de seus supostos parceiros talvez estivesse no limite da idade do consentimento, mas, fora isso, não consigo me importar se o autointitulado bispo transa com seu rebanho. O que me importa não é nem a risível obviedade de sua cobiça por bens materiais: joias, correntes de ouro, limusines e guarda-costas. Não, o que me ofende é que Long tenha sido capaz de fazer quatro ex-presidentes dos Estados Unidos (Jimmy Carter, George Bush pai e filho e Bill Clinton) assistir a seu circo opulento para o funeral de Coretta Scott King (viúva de Martin Luther King Jr.), em 2006. Muitos outros charlatães se beneficiaram do golpe clerical, e muitos deles são brancos. Há, porém, algo especialmente horrível sobre o modo como o púlpito negro dá uma espécie de passe livre, quase como se a sociedade branca tivesse se assegurado de que os negros americanos adoram alguns deles pregando. Nessa neblina de condescendência étnica, há espaço de sobra para vigaristas.
Não me espanta que o bispo Long ainda seja aplaudido pelos bancos da igreja depois do testemunho de sua “brigada” de rapazes. É impressionante que ainda esteja por aí depois das revelações sobre suas finanças pessoais. O que eu gostaria de saber é: quanto desse financiamento e desses gastos foi isento ou dedutível de impostos como “utilidade pública”? Num momento de discussão sobre a distribuição do ônus dos impostos, por que nunca se propõe que grandes quantias levantadas pelas igrejas sejam submetidas à Receita? Em 2006, a igreja de Long recebeu cerca de US$ 1 milhão dos contribuintes por meio da chamada “iniciativa baseada na fé” do governo de George W. Bush, uma parcela dos impostos destinada a entidades religiosas com supostas obras sociais. Insinuou-se que poderia ser uma compensação pela postura agressiva do bispo contra o casamento gay e outras “abominações” homossexuais. Se foi isso, minha pergunta seguinte fica mais divertida: como Long e seus amigos, “unidos” como estavam por fortes “laços” masculinos, gastaram nosso dinheiro?
Por Christopher Hitchens
Revista Época
Seu papel no movimento pelos direitos civis foi seminal e dinâmico. No entanto, não se ouve mais o nome dele nem é ensinado nas escolas. Nem o nome de Bayard Rustin (1912-1987), um carismático intelectual negro e pioneiro dos direitos dos gays, que organizou a Marcha sobre Washington em 1963. Ao lado de muitos outros heróis democráticos seculares, Randolph e Rustin foram apagados da história. O jeito mais fácil de conseguir aceitação instantânea como “líder” negro hoje em dia é jogar a palavra “reverendo” na frente do nome.
Ou, se você for realmente ganancioso, a palavra “bispo”. O bispo Eddie Long, da Igreja Batista Missionária Novo Nascimento, no Estado da Geórgia, prega que Bayard Rustin foi um pecador desprezível que sofria da “doença” curável da homossexualidade. Tenho uma regra básica que nunca falha para esse tipo de clérigo. Acerte o relógio e sente-se: logo, logo eles vão ser apanhados esparramando-se voluptuosamente no banheiro dos homens. Pode ser cedo para colocar Eddie Long nesse grupo, mas duvido que eu tenha de recuar.
Eis, afinal de contas, o que o amigo de Long, reverendo Timothy McDonald III, da Primeira Igreja Batista Iconium, tem a dizer: “Esta é a questão: como pode alguém ser contra a homossexualidade e estar supostamente praticando-a? É o máximo da hipocrisia”. Cinismo e ingenuidade parecem conviver pacificamente nessa declaração. O reverendo McDonald não parece acreditar muito nas negações bem pouco convincentes proferidas por Long, acusado de ter coagido quatro jovens a fazer sexo com ele. Um de seus supostos parceiros talvez estivesse no limite da idade do consentimento, mas, fora isso, não consigo me importar se o autointitulado bispo transa com seu rebanho. O que me importa não é nem a risível obviedade de sua cobiça por bens materiais: joias, correntes de ouro, limusines e guarda-costas. Não, o que me ofende é que Long tenha sido capaz de fazer quatro ex-presidentes dos Estados Unidos (Jimmy Carter, George Bush pai e filho e Bill Clinton) assistir a seu circo opulento para o funeral de Coretta Scott King (viúva de Martin Luther King Jr.), em 2006. Muitos outros charlatães se beneficiaram do golpe clerical, e muitos deles são brancos. Há, porém, algo especialmente horrível sobre o modo como o púlpito negro dá uma espécie de passe livre, quase como se a sociedade branca tivesse se assegurado de que os negros americanos adoram alguns deles pregando. Nessa neblina de condescendência étnica, há espaço de sobra para vigaristas.
Não me espanta que o bispo Long ainda seja aplaudido pelos bancos da igreja depois do testemunho de sua “brigada” de rapazes. É impressionante que ainda esteja por aí depois das revelações sobre suas finanças pessoais. O que eu gostaria de saber é: quanto desse financiamento e desses gastos foi isento ou dedutível de impostos como “utilidade pública”? Num momento de discussão sobre a distribuição do ônus dos impostos, por que nunca se propõe que grandes quantias levantadas pelas igrejas sejam submetidas à Receita? Em 2006, a igreja de Long recebeu cerca de US$ 1 milhão dos contribuintes por meio da chamada “iniciativa baseada na fé” do governo de George W. Bush, uma parcela dos impostos destinada a entidades religiosas com supostas obras sociais. Insinuou-se que poderia ser uma compensação pela postura agressiva do bispo contra o casamento gay e outras “abominações” homossexuais. Se foi isso, minha pergunta seguinte fica mais divertida: como Long e seus amigos, “unidos” como estavam por fortes “laços” masculinos, gastaram nosso dinheiro?
Por Christopher Hitchens
Revista Época
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