quarta-feira, 25 de agosto de 2010

ENTREVISTAS Ilana Casoy, pesquisadora de mentes criminosas


"Para os pedófilos, o objeto de desejo e a excitação não estão ligados diretamente ao ato sexual e sim ao fato de exercer domínio sobre o frágil, o vulnerável"

Por Carlos Gutemberg

Seria possível alguém entender a mente de um criminoso? Esse é o objetivo da escritora e pesquisadora do assunto Ilana Casoy. Há 12 anos ela estuda crimes violentos e assassinatos em série, como o recente episódio do ex-presidiário, que havia sido condenado por pedofilia, que voltou para a cadeia após molestar e matar seis adolescentes na cidade de Luziânia, no interior de Goiás. Segundo o governo do estado, ele cometeu suicídio na prisão.

Membro consultivo da Comissão de Política Criminal e Penitenciária da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP), Ilana é constantemente solicitada pela Polícia Civil e também pelo Ministério Público de vários estados para elaborar o perfil criminal de casos em andamento. Em entrevista ao Portal Arca Universal, ela fala dos pedófilos e molestadores de crianças, descrevendo o modo como agem.

Você estuda mentes criminosas e as define de acordo com a forma de atuação de cada criminoso. Como os pedófilos podem ser definidos?

A pedofilia é um conceito da área da psiquiatria que determina uma perturbação mental no indivíduo, o que geralmente é o resultado da história pessoal e de todo um contexto social. Esse transtorno costuma se manifestar na adolescência e, inicialmente, leva o agressor a aliciar suas vítimas dentro do próprio círculo familiar. Os pedófilos, em geral, são inseguros e tímidos e acreditam que não fazem mal a uma criança. Muitos deles não as matam, diferentemente dos molestadores, que assassinam suas vítimas para esconder seus crimes. A pedofilia se enquadra nos transtornos parafílicos (de obsessão sexual) e não requer necessariamente um ato criminoso, visto que o portador do problema pode manter seus desejos em segredo durante toda a vida, sem nunca compartilhá-los ou torná-los atos reais. Ele pode casar-se com mulheres que têm filhos ou praticar profissões que o mantenha com fácil acesso a crianças.

Como um pedófilo escolhe suas vítimas?

Se falarmos sobre molestadores de crianças – já que pedófilos podem nunca cometer crimes e permanecer com esta condição mental apenas na sua fantasia –, geralmente, eles entram no mundo da criança. Quando são sedutores, falam de assuntos do interesse dela, oferecem balas e presentes. Logo após, começam os carinhos e os toques. Vão entrando na esfera sexual sem que a criança perceba. No início, ela gosta. É natural; todo mundo gosta de carinho. Mas, conforme vai crescendo, começa a entender o que está se passando e aí não quer mais. Sendo assim, surgem as agressões e as ameaças, que devem ser levadas a sério. Normalmente a criança não fala e os pais dificilmente percebem, a não ser que ela apareça machucada. Um dos sintomas que ela pode apresentar é a agressividade; vai se afastando dos amigos e começa a perder o interesse pelas atividades que fazia. O rendimento escolar cai e o professor precisa estar atento a esses sinais que a criança manifesta para tentar alguma intervenção.

Quais razões podem levar um adulto a praticar esse tipo de violência contra uma criança?

Em geral, para os pedófilos, o objeto de desejo e a excitação não estão ligados diretamente ao ato sexual e sim ao fato de exercer domínio sobre o frágil, o vulnerável. Fazer sexo com uma criança se configura como um ato violento mobilizado pela necessidade da expressão de agressividade. Subjugar o outro excita sexualmente o molestador.

Os crimes que envolvem abusos sexuais não são bem vistos nem mesmo por quem comete outros tipos de crime. Mesmo sabendo das represálias que podem ter caso sejam presos, por que os criminosos sexuais não temem enfrentar tais situações?

Esses indivíduos sabem que os seus atos são condenáveis socialmente, mas eles não têm o controle de sua ação. Apesar de compreenderem que estão agindo fora da lei, racionalizam seu comportamento, convencendo-se de que não estão cometendo nenhum crime e que seu comportamento é aceitável. Cada um tem um motivo, um histórico totalmente individualizado. Segundo dados do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, mais da metade dos criminosos sexuais condenados que acabam de cumprir pena volta para a penitenciária antes de 1 ano. Em 2 anos, este percentual sobe para 77,9%. A taxa de reincidência varia entre 18% e 45%. Ou seja, quanto mais violento o crime, maior a probabilidade de o criminoso repeti-lo.

Alguns desses criminosos são tidos como pessoas sob qualquer suspeita. É comum que eles apresentem dupla personalidade?

Ninguém pode olhar a aparência do outro e fazer juízo sobre a sua conduta. O inconsciente coletivo elege estereótipos. Mas sabemos que esses indivíduos são, muitas vezes, distantes da realidade. Eles constroem um verniz social para consumo externo. Como não possuem sentimento e só entendem racionalmente, ficam treinando isso, pois têm que perceber a hora certa de rir, de chorar e aprender a se comportar.

O pedófilo chega a nutrir algum tipo de sentimento pela vítima, ou a aproximação é motivada apenas pelo desejo sexual?

O molestador de crianças convence a si mesmo de que elas querem se relacionar sexualmente com ele, projetando nelas os pensamentos e sentimentos que quer que elas tenham sobre ele. Interpretam a reação humana da vítima aos seus atos preparatórios e manipulatórios como uma resposta positiva aos seus desejos sexuais, convencendo-se de que seu comportamento abusivo não causa estragos nem é prejudicial. Algumas vezes, o sexo é apenas uma arma de agressão. É da violência que vem o prazer dos molestadores, e não do ato sexual em si.

Em algum momento os criminosos sexuais costumam apresentar arrependimento?

Acredito que esses criminosos sexuais nunca sentem culpa pela vítima, mas sim por eles mesmos e pela situação em que se encontram, quando são presos, por exemplo. Muitos desses indivíduos tendem a colocar a culpa na vítima, chegando a dizer que foi ela quem os seduziu.

Há pedófilos que admitem ter sido abusados sexualmente na infância. Isso pode explicar a ação de alguns deles?

É comum entre os pedófilos que a infância deles seja marcada por traumas e abusos de ordem sexual ou psicológica. Porém, isso não determina que o adulto deva ter problemas com a lei. Há pessoas com histórias de infância violentas que, ao crescerem, conseguem superar seus traumas e até se tornam coordenadoras de Organizações Não Governamentais (ONGs) que lutam contra esse tipo de violência, por exemplo. Não há um fator de definição. Seria impossível reduzir isso a uma resposta só.

Qual a diferença entre uma pessoa que comete crimes por ser perturbada mentalmente e um criminoso comum?

Qualquer indivíduo comum pode um dia tornar-se um criminoso. Porém, diferentemente do serial killer (assassino em série), ele se arrepende de seus atos, sendo absolutamente recuperável. Já os psicopatas, quando tratados, pioram sua condição, tornando-se mais manipuladores e cruéis. São incapazes de aprender com a experiência, sentir culpa ou remorso por seus atos.

O ex-presidiário Adimar de Jesus, que matou e molestou seis jovens em Luziânia (GO), e que cometeu suicídio na cadeia, havia sido condenado por pedofilia. Ele pode ser enquadrado no perfil de um serial killer também?

Nesse caso de Luziânia posso afirmar que Adimar de Jesus se enquadra na categoria de um serial killer e não de um pedófilo, já que as vítimas tinham o mesmo perfil, mesma faixa etária, mesmo sexo e foram mortas sem razão aparente. Seria necessário que ele tivesse sido examinado novamente por um psiquiatra e um psicólogo forense para estabelecer sua condição mental e assim dizer se ele era um pedófilo.

O criminoso em série deveria receber um tratamento diferenciado da Justiça?

É necessário que unamos forças e pesquisas nesta área para a identificação das diferentes mentes criminosas, distintos moldes de sistemas prisionais, novas propostas de tratamento psiquiátrico e psicológico, bem como novas leis que permitam apartar do convívio social desses indivíduos, para os quais ainda se desconhece cura ou reabilitação. Dessa forma, manteremos a sociedade protegida da violência sem limites que estas pessoas são capazes de cometer. Criminosos em série deveriam ter figura jurídica diferenciada, o que ainda não existe no Brasil.

Para desenvolver bem o seu trabalho, você já conversou com criminosos de diversas naturezas. Como foram essas experiências?

A importância das entrevistas com criminosos é inegável. Ao conhecer suas histórias, o contexto de sua criação, suas crenças e pensamentos, tento desvendar o caminho que a violência faz dentro do ser humano. Vasculhamos suas infâncias e encontramos ali tragédias que dificilmente trariam um bom resultado na vida de qualquer pessoa. Essas experiências são importantes, já que nas conversas com um serial killer posso fazer a reconstrução dos crimes e da ritualização dele, o que me dá pistas indiscutíveis das causas da criminalidade e violência. O conhecimento profundo de indivíduos de alta periculosidade nos leva à reflexão cada vez mais intensa sobre a prevenção e o tratamento.

Como estudiosa de mentes criminosas, você acredita na recuperação de assassinos em série e pedófilos, por exemplo?

Serial killer é uma definição de comportamento criminoso, diferentemente do molestador, que precisa ser diagnosticado por seu estado mental. Isso quer dizer que não podemos, através do crime, dizer se o criminoso era psicopata, esquizofrênico ou portador de transtorno antissocial de personalidade. Atualmente, não se conhece tratamento que melhore o caráter e o comportamento desses indivíduos. Quando tratado com as terapias convencionais, ele aprende a manipular, enganar e escapar melhor dos seus atos. Para os casos de pedofilia, alguns especialistas sugerem a castração química, que é a aplicação de doses hormonais para conter a libido. No entanto, o problema do molestador está também no pensamento. Classificar os criminosos por comportamento, tipo de vítima, motivo e risco de reincidência contribui na possível identificação do ofensor, bem como para estabelecer o tratamento adequado, com uma intervenção mais efetiva para cada um deles. A eficiência da investigação só será possível dentro da construção de uma visão multidisciplinar, fundamentada por sólidas bases científicas e éticas, constituída pela universidade e pela Justiça.

Disque 100 - Serviço de Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual Contra Criança e Adolescentes


3 Comentários

Ana Lúcia Postado em:

Parabéns! A entrevista está elaborada numa linguagem simples, direta e esclarecedora, tornando de fácil aceso para pessoas de qualquer grau de escolaridade. Também o assunto é de extrema importância para a sociedade.Parabéns novamente!

louisana Postado em:

Esclarecedor. Esse tipo de informação deveria estar sendo passada em todos os níveis da sociedade para que possamos estar atentos às pessoas ao nosso redor.

anônimo Postado em:

Fui vítima de pedofelia, horrivel!! Até hoje tento me livrar dessa sombra que ficou na minha vida em forma de depressão, mas foi através dá leitura e informação clara e objetiva de livros e depoimentos que consegui dar um rumo na minha vida. A mais difícil pra mim, foi saber que isso nunca acabaria, teria que carregar isso pra sempre dentro de mim. Gostei da matéria, muito boa mesmo...

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